sábado, 30 de setembro de 2017

2.248 - PEDRO CADEIRA CONTA SUA HISTÓRIA.

Autor: Erivaldo Alencar.

Letra: 28 09 2017 e música:


A vida maior tesouro
Dada pelo Rei da glória
Cujo feitos bons ou ruins
São guardados na memória
O Pedro Cadeira conta
Sua verdadeira história.

Ele contou para os filhos
E seus filhos para mim
Tudo que passou em vida
Por este mundo sem fim
Nos meus versos ele conta
A sua história assim.

Sou Pedro Alves de Alencar
Meu vulgo Pedro Cadeira
Cearense de Carius
Do Sítio Canavieira
Ex Município de Jucás
Nesta terra brasileira.

Nasci no dia dezoito
No primeiro mês do ano
Mil novecentos dezessete
Digo não cometo engano
Pra uma vida de lutas
Deus traçou pra mim um plano.

Antonio Lopes Xavier
Filho é meu genitor
Raimunda Maria Jesus
Mulher de fibra e valor
Mundinha seu apelido
É mãe deste narrador.

Da prole de oito filhos
Nasceu Cesário Alencar
Maria Julia, Teresinha.
Joana e Vita vou lembrar
O Ângelo e Pedro Lopes
E eu pra história contar.

Em vinte e nove com a família
Fui morar no Comboeiro
Um lugarzinho escondido
Neste torrão brasileiro
Lá vivi minha infância
E meu tempo de solteiro.

Muito cedo fui pra roça
Com o meu pai trabalhar
Aprendi todos ofícios
Do cultivo rudimentar
Com gado e a criação
Também aprendi lidar.

No ano quarenta e um
Eu resolvi me casar
Com minha prima legítima
Francisca Ayres de Alencar
Com o casamento eu fiz
A minha vida mudar.

O meu sogro enviuvou
Do casamento primeiro
Senhorinha Maria Leite
O seu amor verdadeiro
Do qual teve cinco filhos
Vou descrevê-los ligeiro.

Três homens duas mulheres
Maria posso lembrar
O Luiz e José Aires
Antonio Aires de Alencar
Francisca Aires de Alencar
Com quem pude me casar.

Com a viuvez meu sogro
Inventou de se casar
Com Maria Souza Leite
E formar um novo lar
Deste só nasceu um filho
Moisés Leite de Alencar.

No ano quarenta e três
Vinte oito de fevereiro
Deixei minha terra natal
Com espírito aventureiro
Pra conhecer outras terras
Neste torrão brasileiro.

Foi o meu sogro e tio
Joaquim Ayres de Alencar
Que organizou a viagem
Para em São Paulo morar
Num mundo desconhecido
Distante do meu lugar.

A princípio eu não queria
A minha terra deixar
Meu sogro não quis partir
Sem a sua filha levar
Foi pedir pra minha mãe
Pra me deixar viajar.

Para acompanhar meu tio
Mamãe me autorizou
Maria Júlia e seu marido
Pra viajar se arrumou
Seu filho Antonio Pereira
Também nos acompanhou.

Terezinha e seu esposo
Ângelo Leite de Alencar
Os filhos Luiz e Antonio
Eles tiveram que levar
E o primo Francisco Aires
Para em São Paulo morar.

Saímos de Acopiara
No ano quarenta e três
Num fatídico fevereiro
Em vinte e oito do mês
Fomos de trem para o Crato
Pois era chagado a vez.

Depois de chegar no Crato
Pegamos um caminhão
Pra Juazeiro, Bahia
Fomos cortando sertão
Numa carrada de sal
Poeira cobrindo o chão.

No Estado de Pernambuco
O caminhão foi quebrado
Tivemos que ir a pé
Pelo sertão ressecado
Uns calçados outros descalços
Sendo pelo sol queimado.

Bebíamos água da chuva
Em poça armazenada
Por sinal barrenta e suja
Pela estrada encontrada
A gente matava a sede
Mas não se comia nada.

Minha mulher adoeceu
Mas eu com muito carinho
Eu a carreguei nas costas
Em boa parte do caminho
Uma aventura que passei
Por estar fora do ninho.

O carro foi concertado
Depois nos acompanhou
Seguimos pra Petrolina
E lá ele nos deixou
Nós vimos o Velho Chico
Que muito nos encantou.

Seguimos em um vapor
Por gaiola conhecido
Era o Otávio Carneiro
No São Francisco enfurecido
Com destino a Pirapora
Lugar no mundo perdido.

Francisco Aires Pereira
Se encontrava adoentado
E caiu no São Francisco
Nele morreu afogado.
Buscaram, mas por ser noite,
Seu corpo não foi achado.

Lá na parada seguinte
Um outro barco chegou
Os tripulantes disseram
Que um corpo se avistou
Boiando de rio abaixo
Que a correnteza levou.

Meu tio e sogro ficou
Mui triste e desesperado
Querendo pular no rio
Por parentes segurado
Não aceitou que o sobrinho
Tivesse se afogado.

Uma criancinha filha
Do meu sogro adoeceu
E durante a viagem
A criancinha morreu
As margens do Velho Chico
Foi feito o enterro seu.

Chegando em Pirapora
O dinheiro se acabou
Buscamos a migração
E a confusão se formou
Antes de ir pra BH
Muita coisa se passou.

Infelizmente um parente
Trem ao contrário pegou
Orientado por passageiros
Em um outro trem voltou
Desceu na próxima estação
E em Pirapora chegou.

Numa Maria Fumaça
Saímos de Pirapora
Com destino a BH
Numa viagem da hora
Lá na capital mineira
Tivemos pouca demora.

Logo pegamos o trem
Para a terra da garoa
Lá Estação do Norte
Nós não ficamos atoa
De BH a São Paulo
Nossa viagem foi boa.

Felizmente um funcionário
Nos levou  pra migração
Lá ficamos alojados
Por uma noite então
Pra no outro dia irmos
Rumo a outra direção.

No outro dia um funcionário
Mostrou ser gente bacana
Nos levou pra Julio Prestes
A Estação Sorocabana.
Rumo ao interior deixamos
A capital paulistana.

No ano quarenta e três
Cinco de abril foi o dia
As cinco horas da tarde
Chegamos em Rancharia
Lugar pré-determinado
Pra fixarmos moradia.

Já quase quarenta dias
De Acopiara saídos
Enfrentamos desafios
Por este mundo perdidos
Em viagem complicada
Como heróis destemidos.

Meu sogro trouxe o nome
Onde a gente ia ficar
De onde morava seu filho
Luiz Ayres de Alencar
Mas já tinha se mudado
Pra morar noutro lugar.

Por sorte um trabalhador
Conhecia o lugar
Onde morava seu filho
Luiz Ayres de Alencar
Gentilmente na fazenda
O mesmo foi nos deixar.

Já na fazenda Vinte e um
Chegamos no mesmo dia
Na casa do Luiz Ayres
Foi enorme a alegria
De revermos nosso primo
Que há anos nós não o via.

Fomos mui bem recebidos
Pelo próprio fazendeiro
Que nos deu alojamentos
Pra nosso grupo inteiro
Trabalhamos por um tempo
Pra ganhar nosso dinheiro.

Com a chegada em Vinte e Um
O meu sogro ficou contente
Porque teve a família
Reunida novamente
A esposa e os cinco filhos
Pra ele o maior presente.

Posteriormente uma parte
Do lugar se retiraram
Mas o restante da turma
Nesta fazenda ficaram
Na busca de uma melhora
Os parentes se separaram.

Em Presidente Bernardes
Com a família fui morar
As margens do Santo Inácio
Maravilhoso lugar
Em casa de pau a pique
Sem direito a reclamar.

Cobertura de sapé
Não tão perto da cidade
Numa cama de tarimba
Se dormia à vontade
Por lembrar da rede velha
Eu cantava de saudade.

Acometidos de malária
Pensei até de morrer
E muitas outras doenças
Também nos fizeram sofrer
Mas com muito sacrifício
Conseguimos sobreviver.

Porém após muitos anos
Para São Paulo Mudei
Com Sebastião Ferreira
Um armazém eu comprei
Infelizmente a sociedade
Não deu certo e eu quebrei.

Sebastião é esposo
De Maria Ayres Alencar
Acabei a sociedade
Um emprego fui buscar
Nas Indústrias Matarazzo
Eu comecei Trabalhar.

Mil novecentos e cinquenta
Em vinte e um de janeiro
Lá na capital paulista
Nasceu meu filho primeiro
Valderi Alves Alencar.
Um cidadão brasileiro.

Maio de cinquenta e um
Buscando felicidade
Antonio Aires e José Aires
Compram uma propriedade
Município Irapuru
Afastada da cidade.

Vinte oito alqueires de terra
Pelo Patury banhada
Pois de Primeira Corrente
Esta gleba era chamada
Era toda em mata virgem
Boa pra ser cultivada.

Ao receber a notícia
O meu sogro se alegrou
Junto aos seus familiares
Em festa comemorou
Dando uma de profeta
Para seus filhos falou.

É como se fosse a terra
Que o Criador prometeu
Na saída do Egito
Para o povo hebreu
É uma terra muito boa
Mas não vai servir pra eu.

Seus filhos não entenderam
O que o meu sogro dizia
Ainda em cinquenta e um
De agosto um certo dia
Ele morreu vitimado
Duma tal pneumonia.

Eu peguei minha família
E meus cunhados também
A viúva do meu sogro
Maria Leite seu bem
E seu filho Moisés Leite
Pra um lugar do além.

Eu fui para o Irapuru 
Com a família morar
Com machado e traçador
Mata virgem desbravar
Vinte oito alqueires de terras
Conseguimos desmatar.

Para que a minha esposa
Pudesse a roupa lavar
Lá na beira de um córrego
Eu tinha que vigiar
Para as onças e outros bichos
Não a fossem atacar.

Minha sogra não quis mais
Ficar aqui com a gente
Meus cunhados pagaram um moço
Pra leva-la urgentemente
Para o Ceará querido
Com seu filho juntamente.

Dia trinta de dezembro
Ainda posso lembrar
Do ano Cinquenta e quatro
Vi a família aumentar
Nasceu meu segundo filho
Valdeci Alves Alencar.

No ano cinquenta e cinco
Pequeno sítio comprei
Só dois alqueires de terras
Urgente pra lá mudei
Pertinho de Irapuru
Com fé em Deus trabalhei.

Comprei esta propriedade
Ao ilustre fazendeiro
Vitor Camargo Bodini
Um amigo e companheiro
Da Fazenda Salgado Filho
Era o dono verdadeiro.

Com as minhas próprias mãos
Minha casa construí
Embora de pau a pique
Muito feliz me senti
Taboas em lugar das telhas
Minha choupana cobri.

As paredes de madeira
E rebocadas com barro
Com barro fiz o fogão
Quando eu lembro me amarro
Sala, cozinha dois quartos
E nada mais do que narro.

A gleba comprei fiado
Pra pagar com a produção
Como a colheita foi pouca
Não deu pra pagar o patrão
Devolver a propriedade
Era a única solução.

O fazendeiro me disse
Pro senhor me manifesto
Ouça seu Pedro o senhor
É um homem muito honesto
Porém desfazer um negócio
É coisa que mais detesto.

O senhor volte pra casa
Continue a trabalhar
Próximo ano vai ser bom
Muito algodão vai dar
Com a venda da colheita
O senhor vai me pagar.

Eu voltei para meu sítio
Com fé em Deus trabalhei
O algodão e o amendoim
Deu o que não imaginei
Paguei tudo que devia
E as finanças equilibrei.

Dia oito de outubro
De cinquenta e seis o ano
Nasceu Desuite Alencar
Por ordem do soberano
Completou a minha prole
Vivendo a vida de humano.

No ano cinquenta e sete
Outro terreno comprei
Bem pertinho da cidade
Como eu sempre imaginei
Foram dois alqueires e meio
Negócio a vista paguei.

Na década de sessenta
Fui de um mal acometido
Mal não diagnosticado
Que me deixou abatido
Hoje como depressão
Este mal é conhecido.

Agora em dois mil e seis
Em são Paulo estou morando
Meus filhos estão casados
E nada está me faltando
Minha casa está alugada
E muito bem estou passando.

Moramos com nossa filha
E vivo feliz por lá
Depois que viemos embora
Pra poder morar por cá
Tive o prazer de três vezes
Visitar meu Ceará.

Eu revi os meus irmãos
Que há muito tempo não via
Meu querido Comboeiro
Aonde morei um dia
Também visitei meus primos
E amigos com alegria.

No ano dois mil sete
Em dezoito de janeiro
Eu farei noventa anos
E ainda me acho inteiro
Pra poder chegar ao cem
Não preciso andar ligeiro.


Eu agradeço a Deus   
Por Ele me abençoar
Deu-me a felicidade
De uma família formar
Três filhos e nove netos
Pra eu ter com quem brincar.

Do meu filho Valderi    
Com Aparecida nasceu
Aline Valéria Alencar
Nosso jardim floresceu
E Elwis Braz de Alencar
Presentes que Deus me deu.

Do Valdeci com Severina   
Pra poder me alegrar
Nasce Alessandra Alencar
Fernanda Silva Alencar
E com Valéria Alencar
Deus quis me presentear.

Os filhos da Dezuite 
Com o Liroaldo são
Liria Alencar Lilian
Alegraram meu coração
E Lirian são três tesouros
Do Mestre da criação.

De Dezuite e Márcio Lopes   
No segundo casamento
Nasceu o Pedro Henrique
Deus deu o consentimento
Estes são todos meus netos

Que tenho até o momento.

Já são sessenta e três anos
Que moro aqui neste estado
Mas inda não esqueci
O meu berço adorado
Com saudades da terrinha
Às vezes tenho chorado.

Inda guardo na lembrança
A noite enluarada
O grito da mãe da lua
Despertar da passarada
O sopro do Aracati
E o cair da madrugada.

Inda lembro como hoje
A chuva cair no chão
Relâmpago caracol
O rebombar do trovão
O estalido da biqueira
Entoa linda canção.

Eu recordo a mata verde
E o banho de cachoeira
O Quincolé transbordando
E o roço da capoeira
A desbulha do feijão
E a morena fagueira.


Recordo o fogo da broca    
E os insetos fugindo
As matas pegando fogo
E as árvores se diluindo
E nós bebendo cachaça
Com o fogo divertindo.

Inda lembro muito bem  
As caçadas do tatu
E quando com meus amigos
Eu ia caçar teu
Embrenhava-me nas matas
Pra poder tirar enxu.

O jogo de futebol   .......................................
Eu guardo no coração
Das brincadeiras de rodas
Da fogueira de São João
Assando gerimum na brasa
Pegar brasas com a mão.

Jamais consigo esquecer   
A dança do maneiro-pau
Da folia dos caretas
Uma alegria geral
Das festas de São Gonçalo
E do pomar no quintal.

Lembro o jogo da peteca    
Do meu cachorro trigueiro
Tomar leite no curral
Ouvindo aboio do vaqueiro
Do cantar do sabiá

Na copa do juazeiro.

Na madrugada ouvir  
Galo cantar no poleiro
Lembro o berro da raposa
Procurando um galinheiro
Do dueto das cauãs
E o valente formigueiro.

Do canto do bem-te-vi  
Também lembro o sanharó
O cantar do rouxinol
Da caçada do mocó
Lembrando das borboletas
Eu choro de fazer dó.

Da cata do algodão   
E do plantio da roça
Da colheita do legume
Da nossa humilde palhoça
Construída ao pé da serra
Na terra que um dia foi nossa.

Quanta saudade me dar   
De voltar pro meu lugar
Rever a terra querida
E nela voltar morar
Mas a morte se aproxima
E me impede de voltar.

O velho Pedro Cadeira   
Nunca mais voltou ao norte
A doença lhe venceu
Mesmo sendo um homem forte
Sua vista escureceu
A boca fechou com a morte.

Vinte e cinco de janeiro
Pedro Cadeira nos deixou
Do ano dois mil e sete
Para sempre viajou
Pra morar no Paraíso
Jesus Cristo lhe chamou.

Noventa anos sete dias
Viveu pra contar vitória
Deixou o mundo dos vivos
Pra ficar com Deus na glória
Mas antes de falecer
Ele contou sua história.


Francisco Erivaldo Pereira Alencar.

Um comentário:

  1. Como neta de Pedro Cadeira, não terem como ler e não chorar. Obrigada por me fazer relembrar e conhecer um pouco mais sobre sua vida e história.

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